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  • quinta-feira, 18 de setembro de 2014

    ATIRE-LHE A PRIMEIRA PEDRA (Jorge Hessen)

    Jorge Hessen
    http://aluznamente.com.br

    As três principais religiões abraâmicas apresentam algumas similaridades. Por questões óbvias elas são monoteístas e concebem um Deus com atributos antropomórficos. As características de suas narrativas partilham relativamente os mesmos valores de histórias e lugares, embora os apresentem com desempenhos, expectativas e significados bastantes dessemelhantes. Há extremas contendas internas entre os abraâmicos com base nas particularidades doutrinais e suas práticas, a exemplo do tradicional cristianismo, desmembrado em três segmentos (católico, ortodoxo e protestante). O cognominado islã tem dois ramos (sunitas e xiitas), cada um tendo várias denominações. E o quase eclético judaísmo contemporâneo se apresenta também sob várias denominações (ortodoxos, conservadores e reformistas).
    Quase sempre, em vários locais as diferentes religiões abraâmicas denunciam um conflito amargo entre si através de intolerância, guerra e terrorismo, com muito derramamento de sangue humano. “No início do século XXI havia 3,8 bilhões de seguidores das três principais religiões abraâmicas e estima-se que 54% da população mundial se considere adepta de uma dessas religiões.”1 Nesse panorama nefasto, ainda hoje chegou-nos a notícia de que jihadistas2 ultrarradicais da província setentrional síria de Raqa condenaram e mataram através do apedrejamento em uma praça pública (tradição mosaica), uma mulher de Tabaqa, sob a acusação de adultério, conforme afirmou o Observatório Sírio de Direitos Humanos (OSDH).
    Infelizmente observa-se aqui uma prática consoante a tradição abraâmica: consta no Decálogo a lei do "não adulterarás”3,  motivo pelo qual o Velho e Novo Testamentos estão superlotados de advertências sobre o tema. Consta em Êxodos, em  Levítico, nas narrativas de Jeremias, de Ezequiel, de Oséias e outros, e são assinaladas nos Evangelhos, citações sobre o assunto. Mateus expõe: "Vocês ouviram o que foi dito: 'Não adulterarás'. Mas eu digo: Qualquer que olhar para uma mulher e desejá-la, já cometeu adultério com ela no seu coração”.4 Marcos anota: “Ele respondeu: Todo aquele que se divorciar de sua mulher e se casar com outra mulher, estará cometendo adultério contra ela. E, se ela se divorciar de seu marido e se casar com outro homem, estará cometendo adultério".5 Um homem comete adultério com a mulher do seu próximo, outro contamina vergonhosamente a sua nora, e outro desonra a sua irmã, filha de seu próprio pai”.6
    Nas Velhas Escrituras, constam em Provérbios: “Mas o homem que comete adultério não tem juízo; todo aquele que assim procede a si mesmo se destrói. Gazela amorosa, corça graciosa; que os seios de sua esposa sempre o fartem de prazer, e sempre o embriaguem os carinhos dela”.7 Nas narrativas dos três profetas lemos "Por que deveria eu o perdoar?" "Seus filhos me abandonaram e juraram por aqueles que não são deuses. Embora eu tenha suprido as suas necessidades, eles cometeram adultério e frequentaram as casas de prostituição”.8 “E entre os profetas de Jerusalém vi algo horrível: eles cometem adultério e vivem uma mentira. Encorajam os que praticam o mal, para que nenhum deles se converta de sua impiedade. Para mim são todos como Sodoma; o povo de Jerusalém é como Gomorra."9 "Você, mulher adúltera! Prefere estranhos ao seu próprio marido! (...) Eu a condenarei ao castigo determinado para mulheres que cometem adultério e que derramam sangue; trarei sobre você a vingança de sangue da minha ira e da indignação que o meu ciúme provoca.”.10 “Quando o Senhor começou a falar por meio de Oseias, disse-lhe: "Vá, tome uma mulher adúltera e filhos da infidelidade, porque a nação é culpada do mais vergonhoso adultério por afastar-se do Senhor".11
    Rememoremos Jesus. Nos idos apostólicos Ele, diante de uma adúltera, foi questionado: "Mestre, esta mulher foi surpreendida em ato de adultério. Na Lei, Moisés nos ordena apedrejar tais mulheres. E o senhor, que diz? "Eles estavam usando essa pergunta como armadilha, a fim de terem uma base para acusá-lo. Mas Jesus inclinou-se e começou a escrever no chão com o dedo. Visto que continuavam a interrogá-lo, ele se levantou e lhes disse: "Se algum de vocês estiver sem pecado, seja o primeiro a atirar pedra nela". Inclinou-se novamente e continuou escrevendo no chão. Os que o ouviram foram saindo, um de cada vez, começando pelos mais velhos. Jesus ficou só, com a mulher em pé diante dele. Então Jesus pôs-se em pé e perguntou-lhe: "Mulher, onde estão eles? Ninguém a condenou?". "Ninguém, Senhor", disse ela. Declarou Jesus: "Eu também não a condeno. Agora vá e abandone sua vida de pecado".12
    No episódio da adúltera diante do Messias há um fato relevante: onde estava o adúltero? Por que então só a mulher deveria ser condenada e apedrejada? Não deveriam ambos, homem e mulher, sofrer a mesma pena, segundo a lei de Moisés? Pois o Profeta do Sinai ordenou, no caso de adultério, a condenação tanto do homem quanto da mulher13; logo, ambos deveriam ser condenados, mas com o passar do tempo, a punição passou a ser aplicada apenas à mulher, tendo em vista tratar-se de uma sociedade patriarcal e machista.
    O adultério, como "ato de se relacionar com terceiro na constância do casamento", é considerado uma grave violação dos deveres conjugais por quase todas as civilizações de quase toda a história, sendo que algumas sociedades puniam gravemente o cônjuge adúltero e/ou a pessoa com quem praticava o ato, sendo ambos passíveis de morte. Com o passar do tempo a prática de adultério passou a ser criminalmente mais grave quando praticado pela mulher em relação ao homem. Hoje em dia, embora tal discriminação não exista nas leis dos países ocidentais, ou tenha perdido sua eficácia sociológica, na prática do dia a dia a conduta continua a ser vista de forma diferenciada, dependendo do gênero de quem realiza o adultério. Hoje essa violação ainda é punível severamente, inclusive com a pena de morte, como ocorre em algumas partes do mundo, geralmente nos grupos muçulmanos, como fizeram os jihadistas. Nos países do ocidente a punição se dá muito mais brandamente, embora ainda se constitua em causa eficiente para o divórcio ou rescisão do casamento.
    Diz o Espirito Emmanuel o seguinte: “qual ocorre aos flagelos da guerra, da pirataria, da violência e da escravidão que acompanham a comunidade terrestre, há milênios, diluindo-se, muito pouco a pouco, o adultério (...) ainda permanece, na Terra, por instrumento de prova e expiação, destinados naturalmente a desaparecer, na equação dos direitos do homem e da mulher, que se harmonizarão pelo mesmo peso, na balança do progresso e da vida”.14
    Profere também o mentor de Chico Xavier que “tantos foram os desvarios dos Espíritos em evolução no planeta – espíritos entre os quais muitos raros de nós, companheiros da Terra, não nos achamos incluídos – que decerto Jesus, personalizando na mulher sofredora a família humana, pronunciou a inesquecível sentença, convocando os homens, supostamente puros em matéria de sexualidade, a lançarem sobre a companheira infeliz a primeira pedra”15
    Diante daquela adúltera, conforme narra o evangelista, recordemos que Jesus era o único que naquela circunstância possuía autoridade moral para julgar. No entanto não julgou e não condenou, nem disse se deveriam apedrejá-la ou não. Jesus apenas aguardou e pronunciou: “Atire-lhe a primeira pedra aquele que estiver sem pecado”. Esta sentença faz da indulgência um dever para nós outros, porque ninguém há que não necessite, para si próprio, de indulgência. Ela nos ensina que não devemos julgar com mais severidade os outros do que nos julgamos a nós mesmos, nem condenar em outrem aquilo de que nos absolvemos. Antes de condenarmos a alguém uma “falta”, vejamos se a mesma censura não nos pode ser feita”.16


    Notas e referências bibliográficas:

    1              Disponível em http://pt.wikipedia.org/wiki/Religi%C3%B5es_abra%C3%A2micas                               acessado em 16/09/2014
    2              Terroristas religiosos cometido por extremistas islâmicos com o propósito de atingir                              variadas metas políticas e/ou religiosas.
    3              Êxodo 20:14
    4              Mateus 5:27-28
    5              Marcos 10:11-12
    6              Ezequiel 22:11
    7              Provérbios 5:19-20
    8              Jeremias 5:7
    9              Jeremias 23:14
    10            Ezequiel 16: 32-38
    11            Oséias 1:2
    12            João 8:4-11
    13           "Se um homem cometer adultério com a mulher de outro homem, com a mulher do seu                         próximo, tanto o adúltero quanto a adúltera terão que ser executados”. Levítico 20:10
    14            Xavier, Francisco Cândido. Vida e Sexo – Cap. “Adultério e prostituição”, ditado pelo                          espírito  Emmanuel, RJ: Ed. FEB, 2001
    15            Xavier, Francisco Cândido. Vida e Sexo – Cap. “Adultério e prostituição”, ditado pelo                          espírito  Emmanuel, RJ: Ed. FEB, 2001
    16            Kardec, Allan. O Evangelho segundo o Espiritismo, Capítulo X, item 13, RJ: Ed FEB, 1999

    sexta-feira, 12 de setembro de 2014

    UM CASAL, UMA UNIÃO CONTROVERTIDA E UM SISTEMA PENITENCIÁRIO INEFICAZ (Jorge Hessen)

    Jorge Hessen
    http://aluznamente.com.br

    Lemos interessante reportagem sobre o entrelace improvável de um casal que atualmente sobrevive em uma parada de ônibus na via DF-140, em Brasília. A nossa reação inicial àquela união foi de certa inquietação, em face de “Maria” [nome fictício], de 45 anos, ter largado os seis filhos para viver com o ex-presidiário “João” [também fictício], de 50, que diz ter passado 26 anos na cadeia por ter cometidos vários homicídios.1
    Os dois decidiram “residir” num ponto de ônibus, próximo ao Complexo Penitenciário da Papuda. “João” foi posto em liberdade no final de 2013, e optou morar na rua para "não incomodar" familiares e amigos. “Maria” e “João” improvisaram uma barraca de campanha e sobrevivem com a ajuda de doações de quem passa pela região. “Maria”, que conheceu o “João” há cinco anos, em uma confraternização ocorrida durante o célebre “saidão”, afirma ter certeza da decisão tomada. Na época, ela já estava separada e trabalhava como faxineira em um bar.
    Evidentemente o personagem “Maria” não está cometendo crime algum ao ficar enamorada por um ex-presidiário. Ela encontra razões para ficar inconformada em face das críticas recebidas por tão atrevida decisão (talvez não necessariamente pela escolha de morar na rua com “um ex-detento”, porém pela renúncia aos filhos). Cremos que o razoável seria que a união com “João” ocorresse sem necessidade do abandono da família.2
    Subestimando aqui a decisão de “Maria”, destacaremos o tema em torno das declarações do ex-detento. Na reportagem, “João” assegura que obteve bom aproveitamento durante o período de encarceramento. Diz que estudou e participou de oficinas de pintura, serralheria, jardinagem e panificação. Adotou a religião cristã à maneira dos crentes. Hoje tem ungido esforços pessoais a fim de conseguir um emprego (e sabemos o quanto é difícil essa empreita para um ex-detento). Demonstra não permanecer estático (inobstante que morando numa parada de ônibus) pois tem feito alguns biscates para sobreviver, catando material reciclado ou vendendo "balinhas, docinhos e água mineral" dentro do ônibus.3
    Como dissemos, a nossa reflexão explorará as ponderações de “João” a respeito do sistema carcerário brasileiro. Segundo afirma ele na reportagem, os presos na penitenciária morrem nas celas quais animais abandonados. A refeição é de qualidade duvidosa, o detento é humilhado e quase sempre é deixado ao relento quando está sob o impacto de qualquer enfermidade. “João” não acredita na possibilidade de recuperação de um criminoso que vive sob permanente tortura moral na cadeia. Infelizmente noticia-se, não raras vezes, pela mídia em geral, a tortura física e psicológica nos presídios e penitenciárias como uma das barbaridades cometidas em nome do Estado e da lei.
    As penitenciárias de hoje lembram bastante as masmorras medievais. É de se perguntar onde está o processo avançado das conquistas tecnológicas e sociais. Notamos que os cárceres atualmente não servem para educar; pelo contrário, neutralizam a formação e o desenvolvimento de valores intrínsecos, estigmatizando o ser humano. A rigor, as prisões vêm funcionando como máquinas de reprodução da criminalidade.
    O mais grave problema do sistema penitenciário brasileiro é a completa escassez de vagas, que obriga milhares de presos – muitos já condenados, até mesmo no regime semiaberto – a conviver em condições reconhecidamente aviltantes, em xadrezes de delegacias policiais, com muita frequência, revezando-se para dormir. Nesse contexto, devemos considerar que o espírita-cristão deve se armar de sabedoria e de amor para atender à luta que vem sendo desencadeada nos cenários da sociedade, concitando à concórdia e ao perdão, em qualquer conjuntura anárquica e perturbadora da vida moderna.
    O homem atual ainda não percebeu que somente a experiência do Evangelho pode estabelecer as bases da concórdia, da fraternidade e constituir os antídotos eficazes para minimizar a violência que ainda avassala a Terra. Sobre os criminosos, os Benfeitores Espirituais dizem que devemos amá-los na condição de criaturas de Deus que são, às quais o perdão e a misericórdia serão concedidos, se se arrependerem, como também a nós, pelas faltas que cometemos contra Sua lei. Não nos cabe dizer de um criminoso: é um miserável; deve-se expurgar da terra; não é assim que nos compete falar. Que diria Jesus se visse junto de si um desses desgraçados? Lamentá-lo-ia; considerá-lo-ia um doente bem digno de piedade; estender-lhe-ia a mão.4
    Recordemos Jesus e Suas considerações sobre a prática de um sublime código de caridade ante as questões da vida dos encarcerados: "Senhor, quando foi que te vimos preso e não te assistimos?". Ao que Ele respondera: "Em verdade vos digo – todas as vezes que faltastes com a assistência a um destes mais pequenos, deixastes de tê-la para comigo mesmo.5 Nas prisões, a reeducação deverá ser feita por meio da implantação de frentes de trabalho para profissionalização, e não apenas para tirar apenados da ociosidade, mas também abrindo segura perspectiva de integração futura na sociedade.
    Durante diversos anos participávamos de trabalhos sociais através de projetos visando a recuperação dos presos, por intermédio de uma efetiva programação de visitas permanentes à penitenciária de Brasília. Naquela época (década de 1970 e 1980) fazíamos palestras nas salas de aula da PAPUDA abordando temas sobre a valorização humana, divulgávamos a Doutrina dos Espíritos, mantínhamos uma biblioteca de livros espiritas, cantávamos músicas doutrinárias, instituíamos grupos de voluntários para apadrinharem presos, mantínhamos contato com parentes deles e distribuíamos cestas básicas para familiares dos recuperandos.
    Em nossa tela mental estão vivas as recordações daqueles magnos tempos, sabendo que esses foram alguns dos modestos métodos levados a efeito pelo nosso grupo espírita de visita, cujo objetivo era a materialização do aumento do índice de recuperação dos internos da PAPUDA por meio das lições de Jesus com o robusto apoio das revelações espíritas.


    Notas e referências bibliográficas:

    1              Disponível em http://g1.globo.com/distrito-federal/noticia/2014/07/faxineira-larga-filhos-para-morar-com-ex-preso-em-ponto-de-onibus-no-df.html?utm_source=facebook&utm_medium=social&utm_campaign=g1 acesso 10/09/2014
    2              Os filhos atualmente têm entre 16 e 22 anos e moravam com ela.
    3              Disponível em http://g1.globo.com/distrito-federal/noticia/2014/07/faxineira-larga-filhos-para-morar-com-ex-preso-em-ponto-de-onibus-no-df.html?utm_source=facebook&utm_medium=social&utm_campaign=g1 acesso 10/09/2014
    4              Kardec, Allan.  O Evangelho Segundo o Espiritismo.  Caridade ara com os criminosos, instruções de Elisabeth de France (Havre, 1862),  Rio de Janeiro: Ed FEB, 2000, Cap. 11 
    5              Mt 25:31-46 

    quinta-feira, 11 de setembro de 2014

    OS “FALECIDOS” QUE “RESSUSCITAM” NUMA APRECIAÇÃO ESPÍRITA (Jorge Hessen)

    Jorge Hessen
    http://aluznamente.com.br

    Certa feita fomos informados sobre determinado homem de 87 anos de idade que deu um grande susto em seus familiares ao acordar durante seu próprio funeral. Eles oravam sobre seu corpo quando o “falecido” teria começado a engasgar e, de repente, “acordou”. O velho havia sido levado do hospital, vestido adequadamente para o funeral e colocado no local onde seria realizado o velório. Após "reviver", o homem foi novamente encaminhado ao hospital. Segundo informações do jornal Shangai Daily, os médicos ficaram perplexos com a sua impressionante recuperação.

    Caso semelhante ocorreu em Zamboanga do Sul, nas Filipinas. Uma menina de três anos que havia sido declarada morta pelos médicos "acordou" durante o seu funeral. Ela havia tido febre severa durante vários dias e, por isso, teria sido levada a uma clínica para passar por uma consulta. O médico e o assistente confirmaram que a menina não tinha mais pulso e estava clinicamente morta. (1)

    Há inquietas reportagens de casos de “ressuscitação” espontânea nos funerais que acontecem em inúmeros países. Na biografia da médium Ivone Pereira, consta que ela, com 29 dias de nascimento, depois de sofrer um acesso de tosse, sofreu uma sufocação que a deixou como “morta”. Durante 6 horas permaneceu em estado cataléptico. O médico e o farmacêutico atestaram morte por sufocação. O velório foi preparado. “A suposta defunta foi vestida com grinalda e vestido branco e azul, e o caixão encomendado. A mãe, que não acreditava que a filha estivesse morta, retirou-se para um aposento, onde orou fervorosamente a Maria de Nazaré, pedindo que a situação fosse definida. Instantes depois, a criança “acordou” aos prantos.”(2)

    Já ouvimos algumas conversas tenebrosas sobre pessoas que teriam sido dadas como mortas e enterradas vivas durante um surto de catalepsia (3) ou letargia (4). Há notícias de que existem casos de pessoas que foram enterradas “vivas”. “A catalepsia se manifesta como um tipo de perturbação de natureza psicomotora, produzindo parada dos movimentos voluntários, sem qualquer lesão física. A letargia é um estado de sono profundo, no qual as funções orgânicas se apresentam, aparentemente, interrompidas, entre elas, as de respiração e circulação.”(5) Kardec analisou situações de quase-morte na Revista Espírita.

    Há diversos casos de letárgicos, pessoas que chegaram a ser consideradas mortas pela medicina da época, como a Sra. Schwabenhaus(6)ou que passaram por situações de claro risco de morte, ou como o Dr. “D.”, que ficou mais de meia hora debaixo d’água e foi resgatado e retomou a consciência.(7) Fenômeno análogo aconteceu nos tempos apostólicos nas figuras de Lázaro(8), da filha de Jairo(9) e do filho da viúva de Naim.(10)

    A letargia pode surgir a partir de alguns fatores importantes, como uma doença grave (o paciente entra em estado de coma); indução medicamentosa (há substâncias que provocam o coma artificial); hipnose (indivíduos sensíveis podem ser induzidos ao transe letárgico; transe mediúnico (em determinados desdobramentos, particularmente na chamada “bilocação”(11), quando o Espírito afasta-se do corpo e se materializa alhures, há enorme dispêndio das energias do médium, com o auxílio de mentores espirituais. Para tanto, ele entra em estado letárgico); autoindução (há faquires indianos que se fazem sepultar vivos. Entram em estado letárgico por sua própria iniciativa. Com o organismo funcionando em ritmo lento, o consumo de oxigênio é mínimo. Daí conseguirem sobreviver por horas e até dias. É algo semelhante aos animais que hibernam, como os ursos).

    Allan Kardec indagou aos Espíritos se na letargia o Espírito pode separar-se totalmente do corpo, de forma a dar-lhe todas as aparências de morte, e voltar em seguida. Os Benfeitores explicaram que “na letargia, o corpo não está morto, visto que as funções orgânicas continuam a processar-se; a vitalidade permanece em estado latente, como na crisálida, e não se extingue. Ora, o Espírito está unido ao corpo enquanto ele viver. Uma vez os laços rompidos pela morte real e pela desagregação dos órgãos, a separação será completa e o Espírito não volta mais. Quando um homem aparentemente morto volta à vida, é porque a morte não foi consumada.”(12)

    Em seguida, Kardec inquire se é possível, através de cuidados dispensados a tempo, renovar os laços a se romperem e devolver à vida um ser que, sem esses recursos morreria realmente. – Sim, sem dúvida, explicam os Espíritos – “e disso tendes prova todos os dias. O magnetismo é nesses casos, muitas vezes, um meio poderoso, porque dá ao corpo o fluido vital que lhe falta e que era insuficiente para entreter o funcionamento dos órgãos.(13)

    Na concepção do Codificador, “a letargia e a catalepsia têm o mesmo princípio, que é a perda momentânea da sensibilidade e do movimento, por uma causa fisiológica ainda inexplicada. Elas diferem entre si em que, na letargia, a suspensão das forças vitais é geral, dando ao corpo todas as aparências da morte, e na catalepsia é localizada e pode afetar uma parte mais ou menos extensa do corpo, de maneira a deixar a inteligência livre para se manifestar, o que não permite confundi-la com a morte. A letargia é sempre natural; a catalepsia é às vezes espontânea, mas pode ser provocada e desfeita artificialmente pela ação magnética.”(14)

    Portanto, seja no estágio letárgico ou na condição de catalepsia, não há morte, até porque todas as funções vitais permanecem ativas. A frequência vital é que se torna mais vagarosa, qual ocorre na hibernação, conferindo ao corpo a aparência de um cadáver.

    Notas e referências bibliográficas:

    1 Disponível em http://philsatr.com acesso 01/09/2014
    2 Disponível em http://www.uemmg.org.br/pioneiros/yvonne-do-amaral-pereira/ acesso 02/09/2014
    3 O ataque cataléptico costuma também ser chamado de morte aparente porque o paciente jaz inerte, como que mumificado, sem movimentos e com as funções vitais significativamente reduzidas.
    4 Letargia, em “O Livro dos Espíritos” significa em estado de “perda temporária da sensibilidade e do movimento”, em que o corpo parece morto, no qual os sinais vitais se tornam quase imperceptíveis, a respiração reduz-se bastante e a pessoa pode ser tomada como morta.
    5 Franco, Divaldo. Mediunidade - Encontro com Divaldo, SP: Ed. Mundo Maior, 2ª edição, 2000)
    6 Kardec, Allan. Revista Espírita-1858, DF: Ed. Edicel, 2002
    7 Idem Revista Espírita 1867
    8 João, 11:1-54
    9 Lucas 8:49-56
    10 Lucas 7:11/17
    11 Bilocação significa estar em dois lugares diversos ao mesmo tempo e bicorporeidade aparecer com dois corpos em dois lugares distantes. A explicação é das mais simples. Dá-se o desdobramento e a pessoa desdobrada viaja em Espírito para outra região que esteja momentaneamente ligada aos seus objetivos. Lá chegando, com o apoio da Espiritualidade, reveste seu perispírito com ectoplasma, tornando-se visível, audível e tangível.
    12 Kardec, Allan. O Livro dos Espíritos, Rio de Janeiro: Ed FEB, 1999, pergunta 423
    13 Idem pergunta 424
    14 Idem , comentário de Allan Kardec às perguntas 423 e 424

    segunda-feira, 1 de setembro de 2014

    PACTO ÁUREO? (Jorge Hessen)

    PACTO ÁUREO?
    Jorge Hessen
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    Jorge Hessen

    Segundo as fontes que colhemos, identificamos os primórdios do movimento “espírita” brasileiro (pré-Codificação) nas experiências dos partidários do mesmerismo1. Dentre os adeptos, topamos com os médicos homeopatas Benoît Jules Mure (francês) e João Vicente Martins (português). Ambos chegaram ao país em 1840. Havia mais aderentes da técnica de Mesmer, a exemplo de José Bonifácio de Andrada e Silva (Patriarca da “Independência”), igualmente adepto à homeopatia, e Mariano José Pereira da Fonseca (Marquês de Maricá), que publicou um livro de essência “pré-espírita” em 1844. 

    O Espírito “Humberto de Campos” explanou em “Brasil, Coração do Mundo, Pátria do Evangelho”(*) que Benoît Jules Mure e João Vicente Martins “fariam da medicina homeopática verdadeiro apostolado. Muito antes da codificação espírita já conheciam os transes mediúnicos e o elevado alcance da aplicação do magnetismo espiritual. Introduziram vários serviços de beneficência no Brasil e traziam por lema, dentro da sua maravilhosa intuição, a mesma inscrição divina da bandeira de Ismael – "Deus, Cristo e Caridade". Aplicavam aos doentes os passes como um ato religioso. Não o faziam por charlatanismo. Samuel Hahnemann recomendava esse processo auxiliar da Homeopatia. Foram os homeopatas que lançaram os passes, não os espíritas. Estes continuaram a tradição. 

    Foi no Rio de Janeiro que se formaram os precursores do movimento espírita brasileiro, mormente pelo grupo fundado pelo médico e historiador Alexandre José de Mello Moraes, integrado por Pedro de Araújo Lima (Marquês de Olinda), Bernardo José da Gama (Visconde de Goiana), José Cesário de Miranda Ribeiro (Visconde de Uberaba) e outros destacados personagens do Segundo Reinado. Há fontes que remontam ao ano de 1845, quando no distrito de Mata de São João, Província da Bahia, foram registradas as primeiras manifestações do além-túmulo. 

    Alguns fenômenos das mesas girantes que ocorriam especialmente nos Estados Unidos da América e na Europa foram noticiados pela primeira vez no Brasil entre 1853 e 1854 no Jornal do Commércio, Rio de Janeiro, no Diário de Pernambuco, Recife, e em O Cearense, em Fortaleza. Porém, somente a partir de “1860 que encontramos as primeiras publicações espiritistas.”.3 Na capital do Brasil, as primitivas sessões espíritas foram realizadas na década de 1860, por franceses, muitos deles exilados políticos do regime de Napoleão III de França.4 Desses precursores, mencionamos o jornalista Adolphe Hubert, editor do periódico "Courrier do Brésil", o professor Casimir Lieutaud5, e a médium psicógrafa, Madame Perret Collard6. O primeiro periódico com trechos traduzidos das obras de Allan Kardec foi "A Verdadeira Medicina Física e Espiritual associada a Cirurgia”, um jornal científico sobre as ciências ocultas e especialmente de propaganda magnetotherapia, publicado de janeiro a abril de 1861 por Eduardo Monteggia.7 

    Em 1865 (mesmo ano do lançamento de “O Céu e o Inferno”), o rustanista Luiz Olímpio Teles de Menezes criou em Salvador o “Grupo Familiar de Espiritismo” (primeira instituição espírita brasileira). Em 1866, Teles de Menezes publicou o opúsculo “O Espiritismo – Introdução ao Estudo da Doutrina Espírita”, contendo páginas extraídas e traduzidas de O Livro dos Espíritos. No mesmo ano, na cidade de São Paulo, a Tipografia Literária publicou "O Espiritismo reduzido à sua mais simples expressão", de Allan Kardec (sem indicação de tradutor). Em 1869 (ano da desencarnação do Codificador), Luís Olímpio publicou o primeiro jornal espírita do Brasil – O “Eco do Além-Túmulo” – publicado em julho de 1869. Contava com 56 páginas e chegou a circular em Londres, Madri, Nova Iorque, Paris (Kardec fez menção a Luiz Olímpio Teles de Menezes na Revista Espírita, edição de novembro de 1865). Em novembro de 1873 foi fundada em Salvador a Associação Espírita Brasileira (extensão do "Grupo Familiar do Espiritismo") e, no ano seguinte (1874), alguns membros dessa Associação fundaram o "Grupo Santa Teresa de Jesus".


    TORTEROLI , UM LÍDER DOS “CIENTÍFICOS” 

    Um dos divulgadores da Doutrina dos Espíritos no século XIX foi Afonso Angeli Torteroli, fundador do “Centro da União Espírita do Brasil”, instituição que tinha a pretensão de coordenar o movimento espírita brasileiro. Para esse objetivo (unificação) Torteroli organizou em 1881, no Rio de Janeiro, o 1º Congresso Espírita Brasileiro. Sob sua influência e liderança, “as entidades (...) trouxeram a obra ingrata da oposição ao trabalho produtivo da edificação evangélica no Brasil.”8 Torteroli, então líder dos “científicos”, investiu contra Bezerra de Menezes (“místico”), e sob a liderança do genovês9 ocorreram discórdias. No século passado costumava-se denominar os espíritas que compartilhavam do aspecto científico do Espiritismo de "científicos". Os que encaravam o Espiritismo como religião eram denominados "místicos". Chegou-se mesmo a denominar espíritas apenas os que aceitavam O Livro dos Espíritos como expressão da Doutrina Espírita, e Kardecistas os que se dedicavam com mais afinco ao estudo das demais obras escritas por Allan Kardec. Essas ramificações não mais existem, pois atualmente emprega-se o vocábulo espírita para identificar os que aceitam o Espiritismo ou Doutrina Espírita como um todo, em seu tríplice aspecto de ciência, religião e filosofia. 

    Após a desencarnação de Torteroli, este se manifestou pela mediunidade de Chico Xavier, expressando arrependimento por algumas agressões. A carta foi psicografada no dia 4 de abril de 1950. Nela o italiano se penitencia por ter entendido o Espiritismo apenas como ciência e filosofia10. Sobre isso, os simpatizantes do visionário “academista” afirmam que a carta psicografada contém conteúdo anímico do médium de Uberaba. Para tais, a posição doutrinária assumida por Torteroli (estritamente “científica” e “filosófica”) não prejudicou sua militância espírita, tanto no que diz respeito à divulgação da obra de Allan Kardec quanto à prática do assistencialismo.


    GRUPO CONFÚCIO 

    Avancemos para outros eventos. Os Benfeitores “sugeriram aos espiritistas brasileiros a necessidade de criar, no Rio de janeiro, um núcleo central das atividades, que ficasse como o órgão orientador [federação] de todos os movimentos da doutrina no Brasil”.11 A rigor, a instituição pioneira foi a Sociedade de Estudos Espiríticos – Grupo Confúcio, em 1873. Não era uma homenagem ao grande filósofo chinês, mas a um Espírito que vinha desde algum tempo nos trabalhos particulares do Dr. Sequeira Dias, ensinando alguns princípios de moral. Conforme previsto em seus estatutos, devia seguir os princípios e as formalidades expostos em O Livro dos Espíritos e em O Livro dos Médiuns. A divisa da sociedade era: "Sem caridade não há salvação". Suas atividades incluíam ainda o receituário gratuito de homeopatia e a aplicação de passes aos necessitados. 

    Entre as grandes façanhas do “Confúcio” destacou-se a tradução das obras básicas de Kardec para a língua portuguesa, realizada por Fortúnio (pseudônimo de Joaquim Carlos Travassos); o lançamento da “Revista Espírita”12, organizada e dirigida por Antônio da Silva Neto, constituindo o segundo periódico espírita do Brasil e o primeiro do Rio de Janeiro. 

    Na R.E. foram publicadas artigos doutrinários e de refutação aos inimigos da Doutrina, duramente atacada pelo “Jornal do Comércio”, nos anos de 1874/5, que tachava o Espiritismo de “epidemia mais perigosa que a febre amarela”, “verdadeira fábrica de doidos”13. Ao “Confúcio” deve o Espiritismo brasileiro alguns serviços preciosos: a primeira tradução das obras de Kardec; a primeira assistência gratuita homeopática. 

    O “Grupo Confúcio” foi efetivamente o embrião da pretensa “casa-mãe” dos espíritas, “constituindo a base da obra tangível e determinada de “Ismael” (nome criado pelo médium Frederico Junior), na terra brasileira”14. No grupo participavam, entre outros rustanistas”, Bittencourt Sampaio, Joaquim Carlos Travassos, Francisco de Siqueira Dias Sobrinho, Antônio da Silva Neto, Casemiro Lieutaud. Todos lutaram contra a opinião hostil do tempo, contra o insulto, sobretudo, contra as ondas de dissensões”.15


    OUTROS GRUPOS 

    Ao “Grupo Confúcio” seguiu-se a Sociedade de Estudos Espíritas “Deus, Cristo e Caridade”, criado em 1876.16 “Sob a direção de Bittencourt Sampaio, que juntamente com Bezerra de Menezes17, tivera a sua tarefa previamente determinada no Alto. A ele se reuniu outro rustanista, Antônio Luiz Sayão, em 1878, para a imposição do livro de Roustaing nas terras do Cruzeiro. Foram reorganizdas as energias existentes, para fundarem em 1880 a "Sociedade Espírita Fraternidade", com a qual se carregava em triunfo o bendito lema do suave estandarte do emissário do Divino Mestre”.18 Nesse contexto (1880), Antônio Luís Sayão fundou, com os rustanistas Frederico Pereira Júnior, João Gonçalves do Nascimento, Francisco Leite de Bittencourt Sampaio e outros, o chamado "Grupo dos Humildes", popularmente conhecido como "Grupo do Sayão", e posteriormente a confraria veio a chamar-se "Grupo Ismael". A ele juntou-se Bezerra de Menezes, Frederico Júnior, Domingos Filgueiras, Pedro Richard e outros. 

    Naquela época, era uma verdadeira epidemia a criação de grupelhos espíritas. O confrade Pedro Richard descreveu que "no século XIX os espíritas, ou por discordância de ideias, ou por criminosa pretensão, criaram considerável número de grupos [facções], cujos membros, em sua maioria, desconheciam os preceitos mais rudimentares da Doutrina. Qualquer espírita formava um grupo, só para satisfazer a vaidade de dar-lhe por título um nome que ele venerava. De grupos produtivos apenas se contavam alguns, em número por demais reduzido.".19


    FEDERAÇÃO ESPÍRITA BRASILEIRA 

    Em 1883, Augusto Elias da Silva, fotógrafo português radicado no Brasil, lança, com seus próprios recursos, o periódico “Reformador”. No ano subsequente, em histórica reunião em que participaram Francisco Raimundo Ewerton Quadros, Manoel Fernandes Filgueiras, João Francisco da Silveira Pinto, Maria Balbina da Conceição Batista, Matilde Elias da Silva, Luis Móllica, Elvira P. Móllica, José Agostinho Marques Porto, Francisco Antônio Xavier Pinheiro, Manoel Estêvão de Amorim e Quádrio Léo, o fotógrafo lusitano propõe a criação da Federação Espírita Brasileira. A partir desse projeto, “as divergências tenderam arrefecerem , para que a fleuma voltasse a todos os centros de experimentação e de estudo.”.20 

    A primeira diretoria da FEB foi composta por Ewerton Quadros (presidente), Domingos Filgueiras (vice-presidente), Silveira Pinto (secretário), Augusto Elias da Silva (tesoureiro), e Xavier Pinheiro (arquivista). Em 1895, Bezerra de Menezes assumiu a presidência e imprimiu à Instituição a orientação doutrinário-evangélica (com ênfase no quatros evangelhos). O “Grupo Ismael” acompanhou Bezerra, apoiando-o na direção da federação e integrando-se a ela. Paulatinamente, todos os grupos afinados com a filiação ideológica rustanista foram-se reunindo em torno da FEB.


    OS PRESIDENTES DA FEB 

    À guisa de ilustração, registramos aqui na sequência os nomes dos presidentes da FEB (após Ewerton Quadros e Bezerra de Menezes) são eles: Dias da Cruz, Leopoldo Cirne (apresentou o trabalho “Bases de Organização Espírita em 1904”, estimulou a fundação de Federações Estaduais e em 1913 inaugurou a sede Histórica no Rio de Janeiro, na Av. Passos)21, Aristides Spínola, Manuel Quintão, Guillon Ribeiro, Luiz Barreto, Paim Pamplona, Antônio Wantuil de Freitas ( permaneceu 27 anos no cargo, formalizou o “Pacto Áureo”22, instalou o Conselho Federativo Nacional da FEB. Durante sua gestão foi efetivada a “Caravana da Fraternidade”), Armando de Assis (criou os Conselhos Zonais do CFN e inaugurou as dependências da FEB em Brasília), Francisco Thiesen (transferiu o Conselho Federativo Nacional e a sede da FEB para Brasília, transformou os Conselhos Zonais em Comissões Regionais, Juvanir Borges de Souza, Nestor Mazotti e Cesar Perri.


    GENEALOGIA DO “PACTO ÁUREO” 

    No início do século XX surgiram vários líderes do Espiritismo, entre eles: Batuíra, Cairbar Schutel e Eurípedes Barsanulfo. No meado de século, Deolindo Amorim fundou o Instituto de Cultura Espírita do Brasil (ICEB) e atuou na Liga Espírita do Brasil (patrocinadora do II Congresso da CEPA), realizado no Rio, em 1949. Na década de 1940 o movimento espírita paulista começou a se organizar através de congressos e concentrações de mocidades espíritas. Leopoldo Machado (ex-pastor) foi um dos grandes incentivadores das mocidades espíritas. Toda essa movimentação doutrinária culminou com a criação, em 1947, da União Social Espírita (atual USE).23 

    Com a consolidação da União Social Espírita, a nova federativa convocou em 1948 o Congresso Brasileiro de Unificação Espírita, realizado de 31 de outubro a 5 de novembro, com a participação de 16 Estados, por conseguinte, um ano antes do “Pacto Áureo”. Percebe-se que a consolidação do “Pacto Áureo” foi antecedida por vários eventos, como a fundação da Liga Espírita (1926), fundação da USE (1947), Congresso Espírita Brasileiro de Unificação (1948), I Congresso de Mocidades Espíritas do Brasil (1948) e o II Congresso da CEPA (1949) 

    Decorridos 65 anos do singularíssimo “Pacto Áureo”, ainda hoje se ouvem vozes coerentemente discordantes, motivo pelo qual retrocedemos ao evento histórico, a fim de identificarmos o ideal que animou aqueles espíritas de então na busca da unidade doutrinária. 

    Para narrar algo do “Pacto”, não há como fugir de citar o episódio ocorrido no início de outubro de 1949, em que as delegações nacionais e estrangeiras (Argentina, Cuba, México, Porto Rico, Estados Unidos, Colômbia e Uruguai) estiveram reunidas no Teatro João Caetano, no Rio de Janeiro, participando da abertura do II Congresso Espírita Pan-Americano, que teria continuidade de suas sessões na Liga Espírita do Brasil. Participavam desse evento alguns confrades que no congresso da USE defenderam a proposta da criação de uma “Confederação Espírita Brasileira”, pois se avaliava no contexto que as articulações doutrinárias da FEB nada mais eram do que de um Centrão-Laboratório, e não uma federativa. 

    A intrigante mágica do “Pacto Áureo” foi sendo estabelecida momentos antes da realização do II Congresso da CEPA. A rigor, foi resultante da decisão simultânea e espontânea de alguns participantes desse conclave, que aproveitaram o ensejo a fim de visitarem a sede da Federação Espírita Brasileira. Visitação que culminaria na “Grande Conferencia Espirita” onde houve proposta de uma agenda , cuja anuência, firmada a 5 de outubro de 1949, ficou consagrada como o “Pacto Áureo”.24


    UM LIVRO, UMA ESTRATÉGIA, UM EQUÍVOCO HISTÓRICO 

    O “Acordo não programado” foi uma agenda com dezoito itens, sendo que no primeiro constava o seguinte: “Cabe aos espíritas do Brasil colocarem em prática a exposição contida no livro “Brasil, Coração do Mundo, Pátria do Evangelho”. Aqui abrimos um parêntese por entendermos que neste dispositivo houve uma proposição passível de consequência indesejável, considerando o foco da unidade entre os espíritas. Até porque a mais razoável seria constar no primeiro item que os espíritas colocassem em prática a exposição contida no Evangelho Segundo o Espiritismo, de maneira a acelerar a marcha evolutiva do Espiritismo. 

    Os signatários do Pacto concluíram sem maior maturação de que o livro Brasil Coração do Mundo, Pátria do Evangelho continha dados interessantes e demonstrava qual seria a missão do Espiritismo no Brasil. Porém os que firmaram o “Pacto” não se preocuparam com os detalhamentos controversos do livro, talvez aí o “X” da questão. Não levantamos este ponto com aversão à obra, muito pelo contrário – amamos a literatura de Humberto de Campos (as imunes de inserções indesejáveis) , mas urge apartar bem as coisas, pois a simples entronização de Roustaing pelo suposto autor espiritual contraria o pensamento de Kardec contido no Cap. XV da obra A Gênese. 

    Lamentavelmente, o livro de Roustaing chegara ao Brasil muito cedo, (via Luiz Olímpio Telles de Menezes) quase ao mesmo tempo que os livros de Kardec. Os espíritas “místicos” mais cultos, à frente dos quais se achava– Bittencourt Sampaio – tomaram “Os Quatro Evangelhos” como vade-mécum e o levaram à altura de última palavra sobre a doutrina de Jesus. O livro de Roustaing apresentava para os quase neófito de Kardec daquela época, o mesmo valor doutrinário de "O Livro dos Espíritos", isto é, ambos atribuíam o que estava escrito a uma revelação ditada. Mas tinha sobre a obra de Kardec uma “vantagem” para o crente: todas as explicações eram dadas como advindas dos próprios “evangelistas”, assistidos pelos “Apóstolos”, e estes, a seu turno, assistidos por “Moisés”. Os rustenistas dispensam em regra as provas. Contentam-se com a presunção de boa-fé sob ausência de maior raciocínio. 

    O rustanismo conseguiu assim, graças a pouca discussão mais racional, ganhar adeptos entre os “místicos”. Se jamais os prepostos, e muito menos o seu Chefe, afirmaram que na obra de Roustaing estava o verdadeiro sentido da vida e doutrina de Jesus, também omitiram assertiva em contrário. Talvez, se tal fizessem, perderiam o tempo e apagariam a leve chama de uma fé doutrinariamente insipiente, que cumpre alimentar cuidadosamente. A obra de Roustaing concorreu e ainda concorre para para dividir os espíritas (pelos menos dentro da própria FEB atual) e criar dificuldades invencíveis à desejada harmonia de vistas. 

    Como vemos, foi uma estratégia precipitada do autor espiritual, a nosso ver, citar o emblemático João Batista Roustaing como “organizador” do trabalho da “fé espírita” ao lado de um Léon Denis, que efetuaria o desdobramento filosófico; de Gabriel Delanne, que apresentaria a estrada científica e de Camille Flammarion, que abriria a cortina dos mundos. Óbvio que não houve critério mais acurado, segundo cremos. E afirmamos isso de forma pacífica e bem à vontade, pois Humberto de Campos é o responsável espiritual do grupo mediúnico que conduzimos há muitos anos. 

    O problema é que o suposto “Humberto de Campos” evoca “as tradições do mundo espiritual”, conforme o próprio autor espiritual assevera na Introdução do livro “Brasil, coração do mundo...”. Obviamente esse argumento de “tradições de além” não esclarece, e sequer abona, as ingerências da obra. E isso fica claro se compararmos o livro “Brasil, coração.do mundo...” com “Crônicas de Além-Túmulo” e “Boa Nova” de autoria do mesmo Espirito, nos quais Humberto de Campos utiliza de algumas informações obtidas das chamadas “tradições do mundo espiritual”, mas sem cometer os vários lapsos presentes em “Brasil, Coração do Mundo...”. A propósito da obra “Crônicas de Além-Túmulo” no capítulo 21 intitulado “O Grande Missionário”, , publicado antes de “Brasil, coração.do mundo...”, são citados como colaboradores de Allan Kardec os somente os missionários Camille Flammarion, Léon Denis e Gabriel Delanne, sem nenhuma menção a Roustaing. Isso indica interpolação ingênua. 

    Há 3 anos entrevistamos o injustiçado Cesar Perri, ex-presidente da FEB, e perguntamos se diante da clara divisão que existe no Movimento Espírita, algumas vezes manifestada em posturas radicais, como a FEB deve conduzir clara e publicamente o tema Roustaing. Que iniciativas faltam para apaziguar ânimos? Perri esclareceu: “Nós já vivemos momentos bastante delicados no Movimento Espírita, que eu acompanhei muito de perto. Sobrevieram momentos muito complicados em algumas gestões. Houve nessa interconexão um momento em que o presidente Thiesen decidiu junto com o CFN que a base dos trabalhos federativos é a obra de Allan Kardec, e isso tem sido seguido até hoje. Nessas condições, fica muito claro que o CFN em termos de movimento nacional trabalha com a obra de Allan Kardec. 

    De modo óbvio, respeitamos perfeitamente e convivemos com pessoas que gostam e estudam a obra de Roustaing, mas não usamos isso como ponto de atrito ou desunião; procuramos buscar hoje o ponto de convergência, e esse eixo de estabilização do Movimento Espírita é a obra de Kardec. As obras de Roustaing, embora continuem sendo republicadas, e ainda constem do catálogo da FEB, não há mais sua divulgação, por exemplo, nas páginas da Revista Reformador, e essa foi uma decisão adotada em gestões anteriores, mas respeitamos aqueles que pensam ou que adotam as obras de Roustaing.25 

    Tornemos ao “Pacto Áureo”. Na cláusula segunda do Acordo ficou decidido que a FEB criaria um Conselho Federativo Nacional permanente, com a finalidade de executar, desenvolver e ampliar os planos da sua atual Organização Federativa. Com efeito, em janeiro do ano seguinte instalou-se o Conselho Federativo Nacional (CFN), congregando os representantes das Federações Espíritas Estaduais signatárias com o objetivo de promover e trabalhar pela união dos espíritas e pela unificação do Movimento Espírita.26


    CARAVANA DA FRATERNIDADE 

    Para a tentativa de união dos espiritas , durante a década de 1950 houve um trabalho de convencimento junto às entidades espíritas sobre a importância e as diretrizes da tarefa de organização e unificação do Movimento Espírita brasileiro. A tarefa coube ser realizada, principalmente, pela chamada “Caravana da Fraternidade”. Em 31 de janeiro de 1950, o grupo (27) partiu do Rio de Janeiro com destino a Salvador, e depois a todas as capitais dos 11 Estados do Nordeste e Norte do país. Dentre os planos da missão estavam as finalidades da maior aproximação dos espiritistas, visando o ideal da unificação social da Doutrina, da divulgação cultural do Espiritismo na sociedade laica e estímulo às obras de assistência social.


    PÍFIOS REFLEXOS DO PACTO ÁUREO 

    Dez anos após o inusitado Pacto foram realizados Simpósios Regionais para tentativa de união e unificação do Movimento Espírita Brasileiro. Atualmente o CFN reúne-se ordinariamente uma vez por ano na sede da FEB em Brasília, durante três dias, para tratar burocraticamente de assuntos de interesse do Movimento Espírita Nacional, a fim de promover, realizar e aprimorar o estudo, a difusão e a prática do Espiritismo. É justo informar que todas as Entidades que, direta ou indiretamente integram o CFN (Entidades Federativas Estaduais, Entidades Especializadas de Âmbito Nacional, Centros e demais Sociedades Espíritas), mantêm a sua autonomia, independência e liberdade de ação. 

    EM SUMA 

    Óbvio que as críticas ao “Pacto Áureo” têm seus fundamentos lícitos. Não há como negar que foi constrangedor naquela época, e ainda hoje repercute, a maneira pela qual as cláusulas do documento tenham sido apresentadas e consagradas, diante de um número reduzido de dirigentes e "ad referendum" das instituições federativas, sem que tivesse havido mais cautelosa discussão e concordância pelas bases, sobretudo no que tange à apresentação do livro supostamente adulterado Brasil, Coração do Mundo e não as Obras Básicas..



     (*) Como historiador identifiquei sem maior esforço algumas interpolações na obra de Humberto de Campos. Há indícios evidentes de inserções descontextualizadas nos capítulos. Dentre algumas interferências externas ao autor há gritante  evocação da primazia injustificável da FEB sobre todas as instituições espíritas brasileiras. Nada justifica tal supremacia. O próprio Chico Xavier  que doou suas mais importantes psicografias para a FEB , mormente na gestão de Guillon Ribeiro, na década de 1960 o médium mineiro afastou-se em caráter irrevogável da pretensa “casa mãe” dos espíritas no Brasil.




    Notas e referências bibliográficas:

    1 Técnica terapêutica criada pelo médico vienense Franz Anton Mesmer ( 1734-1815), que consiste em utilizar o "magnetismo animal" como fonte de tratamento de saúde. Assemelha-se, como técnica, ao hipnotismo.
    2 Xavier, Francisco Cândido. Brasil, Coração do mundo, Pátria do Evangelho, ditado pelo Espírito Humberto de Campos, Rio de Janeiro: Ed. FEB, 1938
    3 Idem
    4 Sobrinho e herdeiro de Napoleão Bonaparte. Foi o primeiro presidente francês eleito por voto direto. Suas primeiras tentativas de golpe de Estado falharam, mas, na sequência da Revolução de 1848, conseguiu estabelecer-se na política, sendo eleito deputado e, em seguida, presidente da República. Finalmente, o bem sucedido Golpe de 1851 pôs fim à Segunda República e permitiu a restauração imperial em favor de Luís. Seu reinado, inicialmente autoritário, progrediu de forma gradativa após 1859 para o chamado "Império Liberal". Implementou durante seu reinado a filosofia política publicada em seus ensaios Idées napoléoniennes e L'Extinction du Paupérismeele - mistura de romantismo, liberalismo autoritário e socialismo utópico. 
    5 Fundador e diretor do Colégio Francês no Rio de Janeiro, Em 1860, publicou a tradução, em língua portuguesa, das obras "Os tempos são chegados" (""Les Temps sont arrivés") e "O Espiritismo na sua mais simples expressão" ("Le Spiritisme à sa plus simple expression").
    6 Palmeira, Vivian. "Curiosas Histórias do Espiritismo". in: "Universos Espírita", nº 49, ano 5, 2008. pp. 8-12.
    7 Eduardo Monteggia era um homem eclético
    8 Xavier, Francisco Cândido. Brasil, Coração do mundo, Pátria do Evangelho, ditado pelo Espírito Humberto de Campos, Rio de Janeiro: Ed. FEB, 1938
    9  Torteroli  nasceu  em Gênova(Itália) em 23 de setembro de 1849  e desencanado no  Rio de Janeiro em 11 de janeiro de 1928, há pesquisadores que citam o seu nascimento  no dia 2 de junho de 1849 no Rio de Janeiro.   
    10 O conteúdo da mensagem  foi publicada no Reformador de  julho de 1950 e republicada na mesma revista em  novembro de 1977
    11 Xavier, Francisco Cândido. Brasil, Coração do mundo, Pátria do Evangelho, ditado pelo Espírito Humberto de Campos, Rio de Janeiro: Ed. FEB, 1938
    12 Publicação mensal de Estudos Psicológicos, nos moldes da “REVUE SPIRITE”, de AIIan Kardec
    13 O Jornal do Commercio, tradicional periódico da então Capital brasileira, em artigo publicado em 23 de setembro de 1863 na seção "Crónicas de Paris", abordou os espetáculos acerca dos espíritos então populares nos teatros de Paris e, em seguida, passava a tecer comentários em torno do Espiritismo. Esse artigo é citado pela “La Revue Spirite”, onde Allan Kardec comenta que o autor do artigo não se aprofundou no estudo do Espiritismo, de cuja parte teórica ignorava os processos.
    14 Xavier, Francisco Cândido. Brasil, Coração do mundo, Pátria do Evangelho, ditado pelo Espírito Humberto de Campos, Rio de Janeiro: Ed. FEB, 1938
    15 Idem
    16 Em 1877 Um grupo de dissidentes da “Sociedade de Estudos Espíritas “Deus, Cristo e Caridade” funda a “Congregação Espírita Anjo Ismael”. Em 1878 outros componentes da mesma instituição reúnem-se no “Grupo Espírita Caridade”. Essas instituições, bem como o “Grupo Confúcio”, desaparecem em 1879.
    17 Em 1875, Bezerra de Menezes lê, pela primeira vez, “O LIVRO DOS ESPÍRITOS”, que lhe fora oferecido por Joaquim Carlos Travassos, seu primeiro tradutor em língua portuguesa.
    18 Xavier, Francisco Cândido. Brasil, Coração do mundo, Pátria do Evangelho, ditado pelo Espírito Humberto de Campos, Rio de Janeiro: Ed. FEB, 1938
    19 Disponível em http://www.guia.heu.nom.br/no_rio_de_janeiro.htm, acesso em 22/08/2014
    20 Xavier, Francisco Cândido. Brasil, Coração do mundo, Pátria do Evangelho, ditado pelo Espírito Humberto de Campos, Rio de Janeiro: Ed. FEB, 1938
    21 A grande aspiração da quase totalidade dos espíritas brasileiros era a realização do congraçamento geral de todas as instituições espíritas do Brasil. Desde os primórdios da propaganda, manifestando-se em diferentes ocasiões, esse tema da união entre todos permaneceu na ordem do dia, sendo Bezerra de Menezes um dos seus paladinos.
    22 A expressão “Pacto Áureo” é atribuída a Artur Lins de Vasconcellos Lopes
    23 Resultado do acordo de união da “Liga Espírita do Estado de São Paulo”, “União Federativa Espírita Paulista”, “Federação Espírita do Estado  São Paulo” e “Sinagoga Espírita Nova Jerusalém”.  
    24 Os protagonistas do “Pacto Áureo”foram: Antônio Wantuil de Freitas, presidente da Federação Espírita Brasileira; Arthur Lins de Vasconcellos Lopes, por si e pelo Sr. Aurino Barbosa Souto, presidente da Liga Espírita do Brasil; Francisco Spinelli, pela Comissão Executiva do Congresso Brasileiro de Unificação Espírita e pela Federação Espírita do Rio Grande do Sul; Roberto Pedro Michelena; Felisberto do Amaral Peixoto; Marcírio Cardoso de Oliveira; Jardelino Ramos; Oswaldo Mello, pela Federação Espírita Catarinense; João Ghignone, presidente e Francisco Raitani, membro do Conselho da Federação Espírita do Paraná; Pedro Camargo – Vinícius e Carlos Jordão da Silva, pela União Social Espírita de S. Paulo (USE); Bady Elias Curi, pela União Espírita Mineira; Noraldino de Mello Castro, presidente do Conselho Deliberativo da União Espírita Mineira.  
    25 Disponível em http://jorgehessenestudandoespiritismo.blogspot.com.br/2013/04/luz-na-mente-entrevistou-cesar-perri.html  acesso 29/08/2014
    26 Atualmente o CFN é composto pelas Entidades Federativas espíritas de todos os Estados do Brasil e do Distrito Federal , bem como de um quadro de Entidades Especializadas de Âmbito Nacional


    27 Os caravaneiros  foram  Artur Lins de Vasconcelos (PR), que regressou de Recife, sendo substituído por , Luiz Burgos Filho (PE), Ary Casadio (SP),   Carlos Jordão da Silva (SP),   Francisco Spinelli (RS) e  Leopoldo Machado (RJ).