Jorge Hessen
É
evidente que o termo espírita só é aquele preconizado por Kardec, sem
hibridezes. Entretanto, as palavras “kardecista" e/ou
"kardecismo" seriam de uso censuráveis? Talvez seja ineficaz a
utilização dessas palavras, no entanto jamais serão impróprias. Além disso,
entendemos que há algumas ponderações plausíveis a serem expostas com relação
ao assunto.
Primeiramente
recorramos ao Novo Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa [1]. Nele
encontraremos as definições: kardecismo - Doutrina religiosa de Allan Kardec;
kardecista - pertencente ou relativo a Allan Kardec ou ao kardecismo - adepto
do kardecismo. A Enciclopédia Universal define o seguinte: kardecismo -
Doutrina de Allan Kardec, espiritismo - kardecista - aquele que adota as
doutrinas de Allan Kardec - Relativo a kardecismo [2]. Estamos aqui fazendo
referência a duas consagradíssimas fontes do saber.
Dizem
que existe uma guimba de preconceitos a substituição dos termos espírita e
Espiritismo pelos termos "kardecista" e "kardecismo",
visando que suas crenças não sejam confundidas com aquelas que, para tais, são
"inferiores", portanto não querem ser identificados como feiticeiros
ou macumbeiros. Mas vale aqui uma ponderação. Em quase todos os lugares que se
pratica o mediunismo, alcunha-se de “espírita”.
Vejamos,
existem instituições nomeadas como "centro ‘espírita’ caboclo
beltrano", "tenda ‘espírita’ pai sicrano", "cabana
‘espírita’ vovô fulano", "centro ‘espírita’ tenda fraterna",
"centro ‘espírita’ de umbanda cobra coral", "centro ‘espírita’
pai Joaquim” etc. Em tais instituições não há qualquer orientação espírita,
portanto precisariam substituir o nome ‘espírita’ por espiritualista.
Apesar
das apropriações indébitas do termo ‘espírita’, conquanto sem cumplicidade,
pois cada coisa deve estar em seu devido lugar. Os espíritas, respeitamos todas
as seitas, cultos, religiões, valorizamos todos os esforços para a prática do
bem, trabalhamos pela confraternização entre todos os homens, independentemente
de raça, cor, nacionalidade, crença ou nível cultural e social, e reconhecemos
que, segundo Kardec, "o verdadeiro homem de bem é o que cumpre a lei de
justiça, de amor e de caridade, na sua maior pureza".[3]
Se
o Espiritismo rejeita quaisquer cultos externos, é óbvio que não pode ser
considerado espírita quem exercita cultos em “terreiros”, quem é adepto de
magia “branca” ou “negra”, quem adota idolatria, conquanto se consideram
espiritualistas. Com as lições de Allan Kardec, cuja literatura não poderá
deixar de ser fonte básica do Espiritismo, devemos asseverar que o conceito ou
o nome de espírita não podem ser aplicados aos seguidores de qualquer seita ou
prática espiritualista, porém tão somente aos estudiosos e praticantes que
abarcaram a Doutrina dos Espíritos e por lógica já não se vinculam mais ao
ritualismo nem aos preceitos e dogmas que estreitam a inteligência, petrificam
a fé e fragmentam o bom senso.
É
por essas e outras que o emblemático sincretismo religioso brasileiro tem
remetido as pessoas a confundirem Espiritismo com ocultismo, esoterismo,
teosofia, orientalismo, umbandismo, xamanismo, exorcismo, exoterismo,
ubaldismo, ramatisismo e demais mistismos iguais ao roustanguismo febiano e
outros análogos. Em face disso é perfeitamente compreensível a defesa de alguns
confrades para o uso do célebre "sou kardecista" para se harmonizarem
de forma racional às circunstâncias cabíveis.
Kardecismo?
Anos atrás, jamais se admitiria essa hipótese, pois Espiritismo só existe um.
No entanto, e embora consciente de que o Espiritismo não foi obra de um homem,
mas dos Espíritos Superiores, e que o mestre lionês, por isso mesmo, foi apenas
o instrumento de que a espiritualidade maior se serviu para transmitir novas
diretrizes de amor e paz à Humanidade, nada obsta que cheguemos ao fato
concreto de que o sufixo "ismo", em seu pseudônimo, seja disseminado
para designar o movimento religioso (Espiritismo) por ele codificado. Ou seja,
o termo Kardecismo distinguiria a doutrina por si só.
Como
exemplo dessa ordem, podemos citar o Darwinismo, Platonismo, Socratismo,
Luteralismo, Calvinismo etc. E quem nos garante que os métodos desses grandes
vultos da História tenham sido particularíssimos, isto é, sem a inspiração de
Espíritos Superiores? É óbvio que foram inspirados. Portanto, nada mais justo,
oportuno e conveniente que estudemos essa possibilidade, "também",
pois os espíritos superiores, por serem superiores, representam a permanente
tranquilidade interna ante as atitudes que promovam e dignifiquem o legítimo
pensamento espírita.
Urge
que se faça a distinção, pois não podemos admitir que a Doutrina Espírita
caminhe com luzes na essência e obscurantismo na sua difusão e aplicação
prática. É um fato real e digno de nossa atenção. Naturalmente a nossa
presunção no texto não é modificar coisa alguma, mesmo porque não detemos poder
para tanto, porém reafirmamos (sem o fantasma da culpa) que o uso das
expressões Kardecismo ou Kardecista não constitui um atentado contra a Doutrina
dos Espíritos, por isso mesmo não deve ser motivo de censuras, análises severas
ou indignação, pois esses vocábulos estão perfeita e intrinsecamente associados
ao termo Espiritismo.
Referências bibliográficas:
[1] Ferreira,
Aurélio Buarque de Holanda. Novo Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa, SP:
Ed Positivo, 2010
[2] Enciclopédia
Universal. São Paulo: Editora Pedagógica Brasileira LTDA, 1969
[3] KARDEC,
Allan. O Evangelho Segundo o Espiritismo, Capítulo XVII, Item 3, RJ: Ed. FEB,
2001