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  • sexta-feira, 12 de setembro de 2014

    UM CASAL, UMA UNIÃO CONTROVERTIDA E UM SISTEMA PENITENCIÁRIO INEFICAZ (Jorge Hessen)

    Jorge Hessen
    http://aluznamente.com.br

    Lemos interessante reportagem sobre o entrelace improvável de um casal que atualmente sobrevive em uma parada de ônibus na via DF-140, em Brasília. A nossa reação inicial àquela união foi de certa inquietação, em face de “Maria” [nome fictício], de 45 anos, ter largado os seis filhos para viver com o ex-presidiário “João” [também fictício], de 50, que diz ter passado 26 anos na cadeia por ter cometidos vários homicídios.1
    Os dois decidiram “residir” num ponto de ônibus, próximo ao Complexo Penitenciário da Papuda. “João” foi posto em liberdade no final de 2013, e optou morar na rua para "não incomodar" familiares e amigos. “Maria” e “João” improvisaram uma barraca de campanha e sobrevivem com a ajuda de doações de quem passa pela região. “Maria”, que conheceu o “João” há cinco anos, em uma confraternização ocorrida durante o célebre “saidão”, afirma ter certeza da decisão tomada. Na época, ela já estava separada e trabalhava como faxineira em um bar.
    Evidentemente o personagem “Maria” não está cometendo crime algum ao ficar enamorada por um ex-presidiário. Ela encontra razões para ficar inconformada em face das críticas recebidas por tão atrevida decisão (talvez não necessariamente pela escolha de morar na rua com “um ex-detento”, porém pela renúncia aos filhos). Cremos que o razoável seria que a união com “João” ocorresse sem necessidade do abandono da família.2
    Subestimando aqui a decisão de “Maria”, destacaremos o tema em torno das declarações do ex-detento. Na reportagem, “João” assegura que obteve bom aproveitamento durante o período de encarceramento. Diz que estudou e participou de oficinas de pintura, serralheria, jardinagem e panificação. Adotou a religião cristã à maneira dos crentes. Hoje tem ungido esforços pessoais a fim de conseguir um emprego (e sabemos o quanto é difícil essa empreita para um ex-detento). Demonstra não permanecer estático (inobstante que morando numa parada de ônibus) pois tem feito alguns biscates para sobreviver, catando material reciclado ou vendendo "balinhas, docinhos e água mineral" dentro do ônibus.3
    Como dissemos, a nossa reflexão explorará as ponderações de “João” a respeito do sistema carcerário brasileiro. Segundo afirma ele na reportagem, os presos na penitenciária morrem nas celas quais animais abandonados. A refeição é de qualidade duvidosa, o detento é humilhado e quase sempre é deixado ao relento quando está sob o impacto de qualquer enfermidade. “João” não acredita na possibilidade de recuperação de um criminoso que vive sob permanente tortura moral na cadeia. Infelizmente noticia-se, não raras vezes, pela mídia em geral, a tortura física e psicológica nos presídios e penitenciárias como uma das barbaridades cometidas em nome do Estado e da lei.
    As penitenciárias de hoje lembram bastante as masmorras medievais. É de se perguntar onde está o processo avançado das conquistas tecnológicas e sociais. Notamos que os cárceres atualmente não servem para educar; pelo contrário, neutralizam a formação e o desenvolvimento de valores intrínsecos, estigmatizando o ser humano. A rigor, as prisões vêm funcionando como máquinas de reprodução da criminalidade.
    O mais grave problema do sistema penitenciário brasileiro é a completa escassez de vagas, que obriga milhares de presos – muitos já condenados, até mesmo no regime semiaberto – a conviver em condições reconhecidamente aviltantes, em xadrezes de delegacias policiais, com muita frequência, revezando-se para dormir. Nesse contexto, devemos considerar que o espírita-cristão deve se armar de sabedoria e de amor para atender à luta que vem sendo desencadeada nos cenários da sociedade, concitando à concórdia e ao perdão, em qualquer conjuntura anárquica e perturbadora da vida moderna.
    O homem atual ainda não percebeu que somente a experiência do Evangelho pode estabelecer as bases da concórdia, da fraternidade e constituir os antídotos eficazes para minimizar a violência que ainda avassala a Terra. Sobre os criminosos, os Benfeitores Espirituais dizem que devemos amá-los na condição de criaturas de Deus que são, às quais o perdão e a misericórdia serão concedidos, se se arrependerem, como também a nós, pelas faltas que cometemos contra Sua lei. Não nos cabe dizer de um criminoso: é um miserável; deve-se expurgar da terra; não é assim que nos compete falar. Que diria Jesus se visse junto de si um desses desgraçados? Lamentá-lo-ia; considerá-lo-ia um doente bem digno de piedade; estender-lhe-ia a mão.4
    Recordemos Jesus e Suas considerações sobre a prática de um sublime código de caridade ante as questões da vida dos encarcerados: "Senhor, quando foi que te vimos preso e não te assistimos?". Ao que Ele respondera: "Em verdade vos digo – todas as vezes que faltastes com a assistência a um destes mais pequenos, deixastes de tê-la para comigo mesmo.5 Nas prisões, a reeducação deverá ser feita por meio da implantação de frentes de trabalho para profissionalização, e não apenas para tirar apenados da ociosidade, mas também abrindo segura perspectiva de integração futura na sociedade.
    Durante diversos anos participávamos de trabalhos sociais através de projetos visando a recuperação dos presos, por intermédio de uma efetiva programação de visitas permanentes à penitenciária de Brasília. Naquela época (década de 1970 e 1980) fazíamos palestras nas salas de aula da PAPUDA abordando temas sobre a valorização humana, divulgávamos a Doutrina dos Espíritos, mantínhamos uma biblioteca de livros espiritas, cantávamos músicas doutrinárias, instituíamos grupos de voluntários para apadrinharem presos, mantínhamos contato com parentes deles e distribuíamos cestas básicas para familiares dos recuperandos.
    Em nossa tela mental estão vivas as recordações daqueles magnos tempos, sabendo que esses foram alguns dos modestos métodos levados a efeito pelo nosso grupo espírita de visita, cujo objetivo era a materialização do aumento do índice de recuperação dos internos da PAPUDA por meio das lições de Jesus com o robusto apoio das revelações espíritas.


    Notas e referências bibliográficas:

    1              Disponível em http://g1.globo.com/distrito-federal/noticia/2014/07/faxineira-larga-filhos-para-morar-com-ex-preso-em-ponto-de-onibus-no-df.html?utm_source=facebook&utm_medium=social&utm_campaign=g1 acesso 10/09/2014
    2              Os filhos atualmente têm entre 16 e 22 anos e moravam com ela.
    3              Disponível em http://g1.globo.com/distrito-federal/noticia/2014/07/faxineira-larga-filhos-para-morar-com-ex-preso-em-ponto-de-onibus-no-df.html?utm_source=facebook&utm_medium=social&utm_campaign=g1 acesso 10/09/2014
    4              Kardec, Allan.  O Evangelho Segundo o Espiritismo.  Caridade ara com os criminosos, instruções de Elisabeth de France (Havre, 1862),  Rio de Janeiro: Ed FEB, 2000, Cap. 11 
    5              Mt 25:31-46